Entrevista a Vieira da Silva (ministro do Trabalho): "Não faço parte de grupos nem me incluo em tendências no PS"
Vai de férias na quinta-feira [passada]. Esquece completamente o trabalho ou leva algum consigo?
Não o esqueço completamente. Vou levar alguns relatórios para ler e terei de preparar um ou dois documentos.
A música ocupa um papel importante na sua vida. Que discos leva consigo?
Em geral, gosto de ser surpreendido pelas escolhas dos outros e, por isso, prefiro ouvir rádio a escolher os meus próprios discos.
Não tem então i Pod?
Por acaso tenho um, que me foi oferecido pelos meus filhos, mas que continua vazio. Porém, não sou avesso aos novos meios tecnológicos e, por exemplo, gosto de frequentar o YouTube para ver vídeos de canções de outros tempos.
E, já agora, onde vai passar as férias?
Não digo. Nunca disse. É um direito que tenho e que gosto de exercer.
Essa opção começa a fazer escola. O primeiro-ministro também recusou dizer onde ia passar as férias este Verão. Quando é que conheceu José Sócrates?
Conheci-o no PS, durante a governação do eng.º António Guterres, provavelmente em 1996.
Pedro Silva Pereira é considerado o braço direito de Sócrates. Vieira da Silva é o seu braço esquerdo?
Espero ser mais do que uma parte do corpo do primeiro-ministro (risos). Não tenho essa ambição. Faço parte de um governo, tenho responsabilidade nele, tenho as minhas posições políticas, sou dirigente do Partido Socialista...
Mas são muitos os que o vêem como uma espécie de consciência social e de esquerda deste Governo...
Não me entretenho muito com essas classificações. Se me perguntar se me considero de esquerda, sim, considero que sim. E se o meu espaço de intervenção é no Partido Socialista isso acontece porque considero que é aí que se pode desenvolver uma actividade cívica da esquerda conforme eu a concebo.
Mas no PS há pessoas mais à esquerda do que outras. Onde se incluiria?
Em lado nenhum. Não faço parte de grupos nem me incluo em tendências. Naturalmente, existem sensibilidades distintas dentro do PS, mal seria se assim não fosse, num partido com a dimensão e com as características sociais do PS.
Para si, o que é ser de esquerda, ou melhor, governar à esquerda?
Governar à esquerda é fazê-lo com objectivos de equilíbrio, do ponto de vista do desenvolvimento económico, da afirmação das liberdade e da justiça social. É principalmente essa combinação entre desenvolvimento económico e igualdade e coesão social que, a meu ver, ainda hoje marca distinções muito pesadas entre uma governação de esquerda/centro-esquerda ou direita/centro-direita.
Sócrates é um homem de esquerda ligeiramente diferente da esquerda tradicional que o PS conhecia?
O secretário-geral do PS representa uma esquerda que é marcada por esta inovação de ter uma visão um pouco mais alargada do que é ser de esquerda. A esquerda não é apenas o penso rápido que se põe numa ferida social é alguém que tem de trabalhar e ter como objectivo fundamental a saúde e o desenvolvimento da estrutura social.
O Governo tem sido acusado por muitos, como Mário Soares, de arrogância...
É um defeito grande no exercício do poder, com o qual procuro ter tolerância zero. Mas não considero que no caso concreto deste Governo haja lugar a essa crítica.
Considera casos como o do professor Charrua, da directora do centro de saúde e mais recentemente da directora do Museu de Arte Antiga fait divers? Não serão sinais para a administração pública?
Não vou comentar questões de gestão política em ministérios que são responsabilidade de colegas meus. Além disso, os casos que mencionou não têm a mesma natureza...
Mas têm aspectos em comum...
Esses casos já foram resolvidos politicamente da forma que eu acho adequada. Para mim, fazem parte da história. Além disso, acho que o Governo teve, ao longo dos seus dois anos e meio de governação, um conjunto de preocupações na estruturação do sistema político que não são de afirmação ou do reforço do poder governativo. Desde logo, ao reduzir-se substancialmente o poder arbitrário do Governo na designação dos cargos da administração pública. E mais recentemente, na reorganização da actividade parlamentar, que é aquela onde o equilíbrio entre poder e oposição é mais sensível... Acho que estas duas intervenções são, do ponto de vista estrutural, muito marcantes sobre a forma de ver o exercício do poder, que está muito longe de uma forma de o olhar como instrumento absoluto de governação.
Quem está a tomar conta do PS neste momento?
O PS tem uma direcção eleita, tem um secretariado do qual eu faço parte...
E um secretário-geral que é também primeiro-ministro e presidente da União Europeia e que, por tudo isso, tem menos tempo para o partido...
Eu pessoalmente nunca questionei a acumulação dos cargos. Portugal não tem experiências de separação entre a liderança partidária e a liderança do Governo. Creio que num sistema com uma base parlamentar tão forte como o nosso, o líder do partido e do Governo deve ser o mesmo. Isto não significa que eu desvalorize o escrutínio da actividade governativa por parte do partido que suporta o Governo. Pelo contrário, sou dos que pensam que é importante vitalizar a intervenção do PS.
O PS prometeu criar 150 mil postos de trabalho em quatro anos. Tendo em conta que entre o 1.º trimestre de 2005 e 2007 foram criados 41 mil empregos e que a economia está longe de crescer ao ritmo necessário de 3%, esta meta parece estar definitivamente afastada...
O objectivo mantém-se. Conseguimos inverter a situação, começando a criar empregos. E nesse ponto de vista, a meta parece menos distante. Por outro lado, a situação económica está substancialmente diferente. Mas também é verdade que temos o nosso tecido produtivo em transformação, o que é muito exigente do ponto de vista do emprego.
Este ano vai ficar marcado pela revisão do Código de Trabalho. Tem-se falado muito de flexigurança, mas essa não é a verdadeira palavra-chave desta reforma laboral, pois não?
Este conceito só faz sentido se for olhado numa perspectiva alargada e nunca na visão de uma qualquer revisão da legislação laboral. Seria demasiado redutor limitar a flexigurança ao código de trabalho. O que considero mais importante na revisão do Código de Trabalho aproxima-se da adaptabilidade, que é a capacidade das empresas e dos seus trabalhadores gerirem modelos de organização laboral que estejam mais adequados à evolução dos mercados. A negociação colectiva pode introduzir regras de maior flexibilidade e isso é útil para as empresas serem mais competitivas mas também para a manutenção dos postos de trabalho.
A revisão parece ir no sentido de retirar algum poder ao legislador e dá-lo às partes...
Para que é que serve a legislação ter poder se uma boa parte dela é letra morta?
Mas em Portugal não há cultura de negociação entre patrões e sindicatos e a capacidade de organização das partes é baixa... Não receia um vazio legal que deixe os trabalhadores - que são o elo mais fraco - desprotegidos?
A forma como as empresas tratam actualmente esse elo mais fraco é o contrato a prazo, o recibo verde e o trabalho clandestino. Há forma mais desigual e desequilibrada de expressar esse poder do que a proliferação desses instrumentos? Em muitos casos, há contratos colectivos que dizem que certo tipo de flexibilidade só é possível se 60% dos trabalhadores votarem a favor dele. Isto é segurança e é introduzir elementos de modernidade na gestão dos nossos acordos colectivos.
Mas não está a tirar a água do seu capote?
A actividade governativa e a legislação não se afirma por ser muita, mas sim por ser eficaz. A inexistência de instrumentos de gestão flexível tem gerado situações que todos conhecem.
A comissão técnica [que nomeou para preparar a revisão do Código de Trabalho] propôs a desburocratização dos despedimentos...
Eu não vou comentar os trabalhos da comissão.
Esta vai ser uma matéria muito difícil de mexer nestes dois últimos anos de legislatura...
Também ninguém disse que isto ia ser fácil. Se olharmos para as reformas no domínio laboral que foram feitas nos países europeus, as mais bem sucedidas tiveram uma participação intensa e comprometimento dos parceiros sociais.
Empenho e acordo não são sinónimos...
Claro que não. Empenho no acordo, é disso que falo.
Quando é que a proposta de alteração ao Código de Trabalho deverá entrar no Parlamento?
No princípio de 2008.
O Governo aprovou duas medidas de apoio à natalidade, mas ao nível da protecção laboral, Portugal compara mal com outros países segundo um relatório da OIT. Não acha que a revisão do Código é uma boa oportunidade para reforçar a protecção da natalidade?
É uma boa oportunidade para termos instrumentos de regulação laboral que facilitem a conciliação entre a vida familiar e profissional, sobretudo no domínio da parentalidade.
Mas a ideia é que o legislador seja impositivo ou deixar às partes?
Sem cortar o poder às partes para criar situações mais favoráveis, a legislação deve ser clara e com carácter mais imperativo nesta questão. Mas chegar a soluções concretas é mais difícil. Por exemplo, as licenças de maternidade são um instrumento positivo, mas têm o risco de serem penalizadoras da igualdade e da possibilidade das mulheres terem carreiras profissionais aliciantes.
Os apoios à natalidade anunciados parecem beneficiar sobretudo uma classe mais desfavorecida. Para a classe média, não se justificariam medidas menos assistencialistas e mais pró-activas, designadamente ao nível das creches...
Mas foi isso que o Governo anunciou em primeiro lugar e é o que estamos a fazer desde o início. Prometemos aumentar em 50% o número de vagas em 4 anos e estamos a fazê-lo.
Isso significa uma taxa de cobertura de 33%. Não é pouco?
Não, é a média que a UE fixou como desejável para atingir em 2010. A Alemanha, por exemplo, tem um valor inferior. Não é pouco porque estamos a comparar com 36 meses [de idade]. E são marginais as entradas de crianças em creches nos primeiros três ou mesmo seis meses. Nascem 105 mil crianças por ano e não há obviamente 315 mil crianças a precisar de uma creche ao mesmo tempo porque a idade de entrada não é idêntica. Por outro lado, dizer que o abono pré-natal se destina apenas para as classes desfavorecidas é errado. De fora da nova prestação pré-natal ficam só 10% das mulheres e mais de 65% ficam nos dois escalões mais elevados, com prestações superiores a 100 euros.
Mas os custos da maternidade para as famílias continuam elevadíssimos...
A grande maioria das creches é apoiada pelo Estado e este apoio é de quase 230 euros por criança. Não é um subsídio irrelevante.